segunda-feira, 31 de março de 2008
sexta-feira, 28 de março de 2008
há um dia em que sabe que tem que começar a fazer a mala. em que não pode mais adiar a urgência da partida. mentalmente vai fazendo
a lista de tudo o que tem que levar para a viagem. a roupa tem que ser fresca. não pode deixar de levar alguns casacos e algumas vestes de Inverno. mas vai já em Abril e os próximos meses serão de sol e calor. vai para uma cidade mais quente do que o Porto. isto é até uma coisa que a aflige. não se dá muito bem com o calor. mas também não há-de ser nada que não se aguente. por favor, afinal é só Barcelona! e precisa de deixar a pele ao sol, de deixar a luminosidade entrar. tudo de si a arejar, que já cheira a mofo.às vezes ouve dizer que não deve ser a ideia de fuga a fazer-nos mover as pernas e todo o corpo dentro. pensa que é fuga, mas é também procura. e que mal pode ter isso? em nome de quê devemos então partir? pensa que tem muitas expectativas. que essas não cabem sequer na mala, mesmo que a compre maior. pensa que isso é humano e já é tempo de excusar-se de sentir-se fervente de medos e desejos. ela tem um corpo que fala e é tempo de o deixar falar. e que se mova.
olha para a mala que é pequena. pensa que tem pernas e braços e mãos e coração e estômago e tronco de mala que quer ser maior.
terça-feira, 25 de março de 2008
um destes dias deu por si a pensar que ultimamente se sentia presa de palavras. daquelas que se dizem alto, em conversa com outros. e poderia dizer 'não consigo falar sobre isto ou sobre aquilo', sobre afectos, sobre política, sobre um filme ou música. mas não, não conseguia simplesmente dizer. e o pouco que dizia lhe parecia desarticulado, sentia as palavras como coisa fora de si. elas fugiam-lhe sorrateiramente. sempre disse de si ser uma 'boa conversa'. é muito atenta ao ressoar dos outros, à linguagem do corpo e dos silêncios.
pensa que a linguagem é um músculo. que tem de o exercitar. e o certo é que não tem feito muito por isso. pensa que tem estado demasiado tempo presa ao indizível, a todas as tentativas de o dizer. sempre disse para si. ainda assim, há muito tempo que deixou de se ouvir e fazer eco. e por isso, todas as palavras lhe parecem estranhas mesmo quando ficam por dizer.
sair de si, sim. voltar a si para sair de si. voltar a si, sim.
sexta-feira, 21 de março de 2008
As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração
quarta-feira, 19 de março de 2008
"Life is so soft and quiet, and cannot be seized. It wil not be raped. Try to rapet it, and it will disapear. Try to seize it, and you have dust. Try to master it, and you see your own image grinning at you with the grin of an idiot."
terça-feira, 18 de março de 2008
domingo, 16 de março de 2008
segunda-feira, 10 de março de 2008
desfaço-me em cuidados e acabo a
dispo a roupa suja no meu quarto sujo.
deito-me a esperar um sono nu.
sábado, 8 de março de 2008
Mia Couto, in Os olhos dos mortos (Crónica da Pública)
A situação das mulheres em Portugal,
aquisexta-feira, 7 de março de 2008
mas do que mais gostava mesmo, era de fingir-se esquecida de todos os artefactos e de sair para a rua, chorando a sua existência de água. a chuva na nuca até às entranhas. e não podia passar longas temporadas sem ela, sentia-se como solo a precisar de ser regado.
reagia sempre com uma certa estranheza quando lhe diziam que a chuva era incómoda, que era chata! nessas alturas lembrava as galochas dos seus 6 anos e o chapinhar nas poças de água. precipitação. queda. tempestade. sentia-se mais viva nos dias em que chuvia. o que esperava mesmo era o inundar de cada fenda dos seus ossos contraídos. mais do que um fenómeno metereológico, havia dias em que a chuva era um estado de si.
lá no fundo acreditava que a seguir a um dia chuvoso talvez fosse mais fácil o florescer da tão anunciada primavera. e isso muito poucos viam nela.
por estes dias sentia-se enferrujada, como coisa que foi deixada demasiado tempo à chuva. precisava de descobrir o caminho para as manhãs de sol que começavam a romper em dias limpos a cheirar a malmequeres.
terça-feira, 4 de março de 2008
Do afecto
Desligo o "gestor de ternura" * para excessivamente dizer a presença de Ti!
Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «Amigo»
«Amigo» é um sorriso
De boca em boca
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo» é a solidão derrotada!
«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O´Neil
Do tempo de "arrumar malas de ser" **
Que te seja imensa cada manhã de todos os amanhãs.
'cause you got life
* Pedro Mexia. ** Fernando Pessoa
segunda-feira, 3 de março de 2008
domingo, 2 de março de 2008
António Ramos Rosa
Mas entre mim e os meus passos há um intervalo também: então invento os meus passos e o meu próprio caminho. E com as palavras de vento e de pedras, invento o vento e as pedras, caminho um caminho de palavras.
Caminho um caminho de palavras
(porque me deram o sol)
e por esse caminho me ligo ao sol
e pelo sol me ligo a mim
E porque a noite não tem limites
alargo o dia e faço-me dia
e faço-me sol porque o sol existe
Mas a noite existe
e a palavra sabe-o.